Xenotransplantes: do porco ao homem 

porco entregando um cartão com um coração para uma pessoa

No dia 7 de janeiro de 2022, o americano David Bennett recebeu um transplante de coração de um porco geneticamente modificado. A cirurgia foi um sucesso e se tornou um marco importante para o futuro do transplante de órgãos.

Xenotransplante: A última aposta para o transplante de órgãos

David Bennett, o primeiro transplantado com coração de porco da história, havia sido admitido no hospital cerca de 1 mês e meio antes do procedimento, com um quadro de arritmia muito grave.

Por conta da sua condição e de seu histórico de saúde, David não se adequava aos requisitos para entrar na lista de transplantes ou para receber um coração artificial. O procedimento experimental era sua única opção.

O xenotransplante de órgãos de porco em humanos é uma alternativa que vem sendo estudada há alguns anos, e já foram feitos alguns testes em primatas e humanos com morte cerebral. Mas essa é a primeira vez que esse procedimento é realizado como um tratamento em um paciente com chances de recuperação.

O que é Xenotransplante?

Xenotransplantes são procedimentos que envolvem a transferência de um órgão de uma espécie para outra. No segundo semestre de 2021 foram feitos os primeiros transplantes de rim de porcos para humanos. Os rins transplantados funcionaram normalmente e não mostraram sinais de rejeição durante os 3 meses do estudo. No entanto, os procedimentos foram feitos em humanos com morte cerebral, ou seja, sem chances de recuperação.

A cirurgia, realizada por uma equipe de especialistas em xenotransplantes e cirurgiões cardíacos, foi um sucesso. Depois de 5 dias do procedimento David já respirava sem o auxílio de aparelhos e não mostrou sinais de rejeição do novo coração.

A rejeição de órgãos transplantados é uma preocupação constante, mesmo quando o doador também é humano. Para evitar a rejeição, deve haver uma compatibilidade sanguínea e genética entre os envolvidos, e a grande maioria dos transplantados precisa fazer uso de medicamentos imunossupressores pelo resto da vida.

Encontrar uma pessoa compatível para um transplante já é extremamente raro. Então como evitar a rejeição quando o doador é de outra espécie?

O que causa a rejeição de órgão?

Cada organismo produz algumas proteínas que são únicas da sua espécie. Essas proteínas são conhecidas e toleradas pelos seus organismos, mas em outras espécies podem levar desde respostas imunológicas leves até muito graves.

Essa resposta imunológica é muito importante para que o nosso corpo reconheça e combata agentes infecciosos como vírus e bactérias, por exemplo. Mas quando precisamos de um transplante isso passa a ser um empecilho, levando o nosso corpo a  rejeitar novos órgãos, mesmo quando eles vêm de outros humanos.

Isso acontece porque temos uma variedade de proteínas que ficam na superfície das nossas células que ajudam o nosso sistema imunológico a reconhecê-las como sendo nossas. As células, e órgãos, de outras pessoas podem conter um conjunto de proteínas diferente do nosso e, por isso, são consideradas como algo estranho ao nosso corpo, sendo rejeitadas. Algumas dessas proteínas são as que definem o nosso tipo sanguíneo, por exemplo.

imagem ilustrando que pessoas diferentes têm algumas proteínas diferentes na superfície das suas células

Para minimizar os riscos de rejeição dos órgãos entre humanos é preciso fazer vários testes para verificar se as proteínas do doador e do paciente são minimamente compatíveis. E mesmo após todos esses testes sempre existe a chance de rejeição, por isso, o transplantado precisa tomar medicamentos que minimizem a resposta imunológica, os imunossupressores.

Essa compatibilidade é um reflexo do que está codificado no nosso DNA, por isso parentes próximos são os melhores candidatos para a doação de rim, fígado, pulmão e medula óssea, que podem ser doados ainda enquanto estamos vivos. E quanto mais distante o parentesco menor a chance de encontrar um doador compatível.

Se o doador for de outra espécie, atingir essa compatibilidade pode parecer impossível. 

Não era um porco qualquer

Os porcos criados para xenotransplantes são geneticamente modificados para serem mais compatíveis com humanos utilizando a tecnologia CRISPR de edição de DNA.

No caso do coração recebido por David, o porco doador possuía 10 modificações genéticas:

Inativação de genes suínos

Foram silenciados 3 genes suínos que codificam proteínas que podem gerar uma resposta imunológica adversa em humanos e levar à rejeição do órgão.

Bloqueio do hormônio do crescimento

O gene que codifica o receptor do hormônio do crescimento foi inativado para garantir que o coração tivesse o tamanho correto.

Adição de genes de aceitação

Foram adicionados 6 genes humanos que melhoram a tolerância do sistema imunológico ao órgão transplantado, minimizando o risco de rejeição.

Ilustração mostrando que diferentes órgãos do porco poderão ser transplantados em humanos, se o porco for modificado geneticamente.

Essas modificações são muito importantes e foram um fator definitivo no sucesso da cirurgia e na recuperação do paciente. No entanto, por ser um procedimento experimental, a equipe médica continuará monitorando David por muito tempo para estudar como o corpo humano responde ao xenotransplante.

Xenotransplante: O futuro do transplante de órgãos

O transplante de um órgão suíno para um humano definitivamente é um marco importante para a medicina, pois carrega a possibilidade de diminuir as filas por transplantes que se tornam cada vez maiores. No entanto, esse é só o primeiro passo para que o procedimento possa ser realizado em outros pacientes.

Transplante de órgãos no Brasil

Hoje temos mais de 53 mil pessoas na fila de espera por doação de órgãos e tecidos no Brasil, mas somente cerca de 20 mil transplantes são realizados por ano e, devido à pandemia do novo coronavírus, o número de doadores viáveis reduziu muito nos últimos dois anos. O Ministério da Saúde estima que mais de 10 mil transplantes deixaram de ser feitos nesse período.Felizmente, a taxa de rejeição das famílias em doar os órgãos de seus parentes falecidos ficou abaixo dos 40% em 2021 pela primeira vez, e tende a diminuir ainda mais com as campanhas de conscientização.

Xenotransplantes no Brasil

Já temos um projeto dedicado ao estudo e desenvolvimento dos xenotransplantes de rim de porcos para humanos. O XenoBR surgiu de uma colaboração entre pesquisadores da Faculdade de Medicina (FMUSP) e do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), do Projeto Genoma Brasileiro e do Instituto do Coração (InCor), e tem como maior objetivo zerar a fila de transplantes de rim no país.

Será preciso acompanhar com muito cuidado a recuperação de David para avaliar as vantagens e os riscos do transplante de um órgão suíno geneticamente modificado. Mas a expectativa é que o procedimento se aperfeiçoe nos próximos anos e permita estender a vida de muitos outros pacientes.

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