De onde vêm os sotaques do Brasil? Parte 1

A Língua Portuguesa é falada com muitas variações regionais por brasileiros, do Oiapoque ao Chuí. Os sotaques do Brasil são o resultado da mistura de várias influências culturais estrangeiras, de épocas e maneiras distintas.

O português brasileiro é a variação mais falada, escrita e lida do idioma, com pelo menos 213 milhões de falantes. E você, que está lendo este texto agora, provavelmente é um deles.

Para descobrir essas origens, é preciso considerar três fatores: a população nativa da região, os povos que migraram para lá e a influência dessas migrações. Cada pronúncia carrega uma identidade, formada a partir de várias contribuições culturais, e ainda em constante mudança.

Breve história da Língua Portuguesa

Assim como o nosso povo, a nossa língua também é resultado de uma grande mistura.  O Brasil recebe influências culturais distintas desde muito antes de aparecer no mapa-mundi europeu: estima-se que, antes da chegada dos portugueses, pelo menos 1.200 línguas indígenas já eram faladas por aqui.

O latim clássico foi se modificando e dando lugar ao chamado “latim vulgar”, uma variedade linguística mais informal, praticada por diversas classes sociais. Com a queda do Império Romano, que dominava a região há séculos, começaram ainda a surgir vários dialetos, como:

  • Castelhano, ou espanhol, que hoje é a segunda língua mais falada do mundo ;
  • Catalão, ainda falado em partes da Europa (em lugares como Andorra, Espanha, França e Itália), embora não reconhecido pela União Europeia;
  • Galego-Português, que deu origem ao Português, hoje língua oficial de 9 países, e também ao Galego, falado até hoje na região da Galíza, na Espanha.

A língua portuguesa, derivada do latim, surgiu entre os séculos 9 e 12, no oeste da Península Ibérica.  Essa região, hoje ocupada principalmente por Espanha e Portugal, foi palco de guerras e invasões de diversos povos, sobretudo romanos, árabes e bárbaros.

Veja de onde os sotaques brasileiros têm origem

É impossível falar da nossa língua sem remontar a história do nosso povo. Do povoamento das américas até a colonização europeia, vários fatores importantes contribuíram para a formação dos sotaques do Brasil.

Quando os portugueses começaram a migrar de fato para o Novo Mundo, a partir de 1532,  um dos objetivos era impor a cultura portuguesa do século 16, já carregada de influências externas. Mas replicar crenças, costumes e, claro, o idioma no Brasil foi um processo conflituoso, já que 3 milhões de nativos viviam por aqui, com suas próprias culturas.

E por falar em culturas, diversas outras foram desembarcando à medida que a Colônia crescia e dava indícios de prosperidade. Além disso, vários outros grupos vieram fugidos ou foram traficados para cá, em ondas, durante vários séculos. Toda essa mistura de povos e identidades ajudou a multiplicar os sotaques do Brasil.

Um dos primeiros sotaques brasileiros nasceu da miscigenação entre portugueses e indígenas. Na região onde hoje é o estado de São Paulo, na época dos bandeirantes, surgiu a língua geral paulista. Ela se tornou tão falada que foi proibida em 1758 pela Coroa Portuguesa, já que os colonizadores precisavam de intérpretes para falar com o povo.

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O chamado “r retroflexo”, surgido a partir da pronúncia indígena de fonemas até então inexistentes, foi levado ao interior do Brasil junto com as expedições bandeirantes.

Heranças indígenas e os sotaques do Brasil

A palavra “Brasil”, em referência ao corante extraído de uma madeira encontrada com abundância no litoral, tem origem portuguesa. Mas o lugar já tinha nome: os povos Tupi-Guarani batizaram de Pindorama, algo traduzido como “terra de palmeiras”. E esse contraste de culturas e idiomas é presente até hoje nos sotaques brasileiros.

Mas ao contrário da língua portuguesa, as línguas indígenas não possuem origem no latim. Os sons representados pelas letras F, L e R, por exemplo, não existiam nos dialetos ameríndios, assim como a pronúncia de “lh” e a diferenciação entre singular e plural.

Foi difícil ensinar a língua portuguesa aos nativos, assim como também foi difícil aprender o português já tendo outra língua-mãe. Por isso, do movimento que os indígenas faziam com a língua para trás ao pronunciar o “r”, surgiu o “R retroflexo”. Palha virou “paia”, com “i”, assim como em todo dígrafo “lh”. E a concordância, verbal e nominal, foi simplificada.  

Esse conjunto de variações foi levado ao interior do Brasil junto com as expedições bandeirantes, e ajudou a construir dialetos e sotaques regionais como conhecemos até hoje. O chamado sotaque caipira é presente em regiões do Sudeste, Centro-Oeste e Sul do Brasil.

Do movimento que os indígenas faziam com a língua para trás ao pronunciar o “r”, surgiu o “R retroflexo”,  levado ao interior do Brasil junto com as expedições bandeirantes.

Heranças africanas

O ciclo do açúcar no Brasil, com início no século 16, foi a base da economia colonial durante muito tempo. A produção tinha como destino o mercado europeu, e os principais engenhos já utilizavam mão de obra africana.

A vinda dos africanos para o então Brasil Colônia representa um dos mais importantes – e tristes – capítulos da nossa história. Os mais de 4 milhões de negro-africanos que desembarcaram como escravos no Brasil trouxeram poucos pertences materiais, mas uma bagagem cultural muito rica e diversa.

Se o Tupi representou a maior contribuição indígena para a formação dos sotaques do Brasil, as maiores influências africanas vieram de dois grupos étnicos e/ou linguísticos: os bantos (subdivididos em quicongo, quimbundo e umbundo) e os iorubás (ou nagôs).

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Os bantos e iorubás, dois povos africanos, tiveram grande influência na formação dos sotaques brasileiros. Essa contribuição é presente até hoje, principalmente no Nordeste.

No banto e no iorubá, línguas que também não tiveram origem no latim, não havia palavras com duas consoantes seguidas (o que chamamos de encontro consonantal), nem terminadas em vogal. Por isso, o português falado pelos africanos sempre trouxe um sotaque de adaptação, como “dizê” em vez de “dizer”, ou “fulô” em vez de “flor”.

Durante o ciclo do açúcar, os portos de Recife e Salvador receberam o maior número de escravos da África. Isso justifica a forte presença da cultura africana no nordeste e, claro, o sotaque baiano. Mas as influências no português falado são reproduzidos até hoje, em todo o Brasil.

Saiba mais sobre a origem dos sotaques do Brasil influenciados por europeus, como holandeses, franceses e alemães, e também por outros povos, na segunda parte deste post!

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