Quimeras: condição que a pessoa tem dois DNAs no mesmo corpo

Pessoa com dois DNAs.

O quimerismo é uma condição genética rara, que determina que o indivíduo possua dois tipos distintos de DNA em seu corpo.

O DNA é a molécula que nos define como espécie e contém toda a informação necessária para a formação do nosso organismo. A maior parte do DNA humano é exatamente igual para todos, mas possuímos pequenas variações genéticas (cerca de 0,1%) que nos tornam únicos. 
Mas, é possível uma pessoa ter mais de um DNA no corpo?Sim, isso é possível através de um fenômeno chamado quimerismo.

Origem do termo quimerismo
Na mitologia grega, quimera era um ser complexo formado pela combinação de mais de um animal. A principal representação descreve- a como uma fusão de leão, cabra e dragão; uma fera que causava estragos e perturbações na região de Lícia, onde hoje faz parte da Turquia.  Belerofonte, um jovem herói, recebeu a missão de matar o monstro, e para isso, teve ajuda do cavalo Pégaso. 

A imagem de um ser tão complexo que possui DNAs de espécies distintas co-existindo de forma funcional foi incorporada a várias lendas e monstros presentes em filmes de ficção.  

Quimeras humanas

Os cientistas observaram que, em raríssimos casos, uma pessoa pode ter DNA distintos. Então, por causa da referência mitológica, passamos a chamá-las de quimeras humanas.  Mas, diferente do que acontece com povos que apresentam mutações especiais no seu DNA, como os bajaus, tibetanos e inuítes, no quimerismo as pessoas não apresentam características extraordinárias.

Em geral, quimeras humanas não apresentam nenhuma alteração que indique a condição genética, mas alguns casos já foram relatados de pessoas com quimerismo que apresentam cor da pele diferente em algumas regiões do corpo ou cor de olhos diferentes (heterocromia). 


O quimerismo humano pode ocorrer através de causas naturais (podendo a pessoa passar anos ou até toda a vida sem saber dessa condição) ou artificiais (por meio de intervenções médicas).

Quimeras: causas naturais

O quimerismo natural acontece geralmente por duas principais vias. A primeira está ligada ao início do desenvolvimento de uma gestação de gêmeos fraternos, aquela que a mãe libera dois ovócitos e estes dois são fecundados por espermatozoides diferentes.


Saiba mais sobre gêmeos idênticos neste post.


O fluxo natural da gravidez daria origem a irmãos com DNA diferentes, contudo, nos casos de quimerismo algo impede o desenvolvimento de um dos zigotos (nome dado ao primeiro estágio do desenvolvimento do bebê) e ele é absorvido pelo zigoto que sobreviveu. Quando a união ocorre antes do quarto dia de gestação haverá a formação de uma quimera


Um desses casos ficou famoso em 2018 através de uma modelo e cantora americana chamada Taylor Muhl. Taylor nasceu com um grande sinal de nascença na região da barriga e costas. No caso dela, o sinal era mais do que uma marca, era a coloração da pele da sua irmã que não se desenvolveu.

Caso de quimerismo natural de Taylor Muhl. Na imagem está representado como aconteceu a formação do quimerismo.

Alguns casos de quimerismo como o de Taylor aumentam as chances do desenvolvimento de doenças no sistema imunológico já em outros a pessoa possui dois tipos sanguíneos ou até órgãos inteiros podem ser formados exclusivamente pelas células do irmão. Esse tipo de alteração é muito rara e atualmente conhecemos cerca de 40 casos no mundo!


Quimerismo na novela Travessia: o caso de Brisa
Muitas vezes a ficção cria histórias impossíveis de se tornarem realidade, mas em outras copia fatos da vida real, como o caso de Brisa, personagem da novela Travessia.

Na dramaturgia, Brisa é uma mulher que faz um teste de paternidade para saber se Ari, homem com quem teve um relacionamento, é pai de seu filho,Tonho.

O resultado do teste não só confirmou a paternidade da criança, mas também revelou algo surpreendente: Brisa não era mãe biológica de Tonho.

No desenrolar da trama, descobrimos que Brisa é uma quimera!

Brisa foi fruto de uma gravidez de gêmeos, mas apenas Brisa nasceu. O material genético do feto que não se desenvolveu teria se fundido ao de Brisa, sendo o responsável pela formação de seus ovários. Assim, os óvulos de Brisa, na verdade, são de sua irmã que não se formou.
Os testes de paternidade costumam utilizar células do sangue ou da saliva para comparar o material genético do pai, da mãe e da criança. Por isso, o exame de DNA não indicou que Brisa era mãe de Tonho. 

A personagem tem um desfecho dramático, pois perde a guarda do filho e apenas depois do nascimento de seu segundo filho, que também não compartilha o DNA de Brisa, o caso de quimerismo foi confirmado.

O caso real de quimerismo que inspirou a novela Travesia: Lydia Fairchild

Em 1999, Lydia Fairchild, uma norte-americana e mãe solo, solicitou auxílio do governo após passar por dificuldades financeiras para criar seus 3 filhos. Como procedimento padrão, o governo solicitou uma série de exames de DNA para comprovar a relação familiar. 

Surpreendentemente, os resultados mostraram que Lydia não era a mãe biológica de seus próprios filhos. O resultado negativo foi confirmado após a realização de 3 testes e Lygia quase perdeu a guarda das crianças. Logo após o nascimento de seu quarto filho, Lydia e o bebê fizeram um teste de DNA, que apontou que a criança também não compartilhava o DNA de Lydia. Essa evidência, o depoimento de testemunhas e um exame de DNA da mãe de Lydia, que comprovava que ela era avó das crianças, foram cruciais para identificar o quimerismo e solucionar o mistério do caso.

A segunda principal via de quimerismo natural é chamada de microquimerismo e é o tipo mais comum de quimerismo humano. Durante a gestação, a placenta promove a troca de nutrientes, gases respiratórios, e células entre a mãe e o bebê. As células fetais começam a se desprender por volta da 4ª ou 5ª semanas de gestação e, com o decorrer da mesma, este número aumenta no corpo materno.


Assim, a mãe torna-se uma quimera, trazendo dentro dela o seu próprio DNA e do bebê que está gerando. Graças a várias tecnologias existentes hoje, testes conseguem detectar as células do bebê que estão circulando no corpo da mãe a partir da 8° semana de gestação. Desta forma, podemos descobrir o sexo da criança mesmo antes de que os genitais possam ser visualizados no ultrassom (que ocorre a partir da 15° semana de gestação). 

Imagem do DNA no background e ilustração de uma mulher gestando. DNA da mãe e o do bebê são trocados na gestação

Quimeras: causas artificiais

A outra forma de quimerismo humano se dá de forma artificial e ocorre por causa de  intervenções médicas.


Nesse momento você pode se perguntar:– Por que um médico colocaria um DNA estranho no meu corpo?


A resposta é porque essa é uma solução excelente para curar ou tratar várias doenças como a fibrose cística e leucemia. Na fibrose cística, por exemplo, a pessoa nasce com uma mutação no gene CFTR e isso prejudica o funcionamento de vários órgãos, entre eles o pulmão. Com o passar do tempo o pulmão para de funcionar e a pessoa precisa fazer um transplante.


O mesmo acontece em pacientes com leucemia. O tratamento para essa doença envolve um transplante de medula. Todo órgão transplantado possui um DNA diferente da pessoa que o recebeu, sendo assim após o tratamento a pessoa se torna uma quimera.


Saiba mais sobre a fibrose cística, doença genética retratada no filme A Cinco Passos de Você.

O que é o mosaicismo?

Outro fenômeno interessante relacionado a diferenças genéticas dentro de um mesmo organismo é o mosaicismo. O mosaicismo pode ser definido como a presença de duas ou mais populações de células com DNAs distintos em um mesmo organismo, que se originou de um único zigoto. Uma pessoa com mosaicismo é formada por conjuntos de células com DNAs distintos, sendo um deles diferente daquele DNA que foi herdado dos pais na fecundação.

Como acontece o mosaicismo?

O mosaicismo genético pode acontecer de várias formas, mas geralmente ocorre ainda na embriogênese. No início da formação do embrião, durante as primeiras divisões celulares, uma das células pode acabar sofrendo uma mutação pontual no DNA ou uma alteração cromossômica. Como consequência, as células e tecidos que se originam dela também apresentam essa mutação e acabam sendo diferentes – geneticamente – das outras células do embrião.

Esquema ilustrando a formação do mosaicismo à partir da fecundação.

Diferentemente do quimerismo, que se origina da fusão de dois zigotos, por exemplo, o mosaicismo acontece em um organismo formado a partir de um só zigoto/embrião

Exemplos de mosaicismo

Um exemplo de mosaicismo bem conhecido é a inativação do cromossomo X. Considerando esse cromossomo, as fêmeas da maioria das espécies de mamíferos são consideradas um mosaico celular, pois em cada uma de suas células a cópia materna ou a cópia paterna do cromossomo X fica ativada. Esse fenômeno foi proposto pela geneticista Mary Lyon

O mosaicismo pode acontecer em doenças genéticas causadas pela presença de cromossomos extras na célula, como na Síndrome de Down. Algumas pessoas com Síndrome de Down apresentam um cromossomo 21 extra em apenas algumas de suas células, conferindo assim uma combinação de sinais e sintomas que pode variar entre as pessoas com a condição.

O mosaicismo genético também está relacionado com o envelhecimento e o câncer. Com o passar dos anos, aumentam-se as chances de uma mutação acontecer na célula e escapar dos mecanismos de reparo celular e, em alguns casos, o conjunto de células formadas com essa mutação resulta em um tumor. 

O câncer é um exemplo de mosaicismo genético: o DNA de um tumor difere substancialmente do DNA do tecido normal que está próximo a ele. Entenda mais sobre o câncer e como ele é formado neste post.

Um só DNA, mas muitas descobertas 

Outro fenômeno interessante relacionado a diferenças genéticas dentro de um mesmo organismo é o mosaicismo. O mosaicismo pode ser definido como a presença de duas ou mais populações de células com DNAs distintos em um mesmo organismo, que se originou de um único zigoto. Uma pessoa com mosaicismo é formada por conjuntos de células com DNAs distintos, sendo um deles diferente daquele DNA que foi herdado dos pais na fecundação.

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O que é quimerismo?

O quimerismo é uma condição genética rara, que determina que o indivíduo possua dois tipos distintos de DNA em seu corpo.

Quais são os tipos de quimerismo?

O quimerismo humano pode ocorrer através de causas naturais ou artificiais. O quimerismo natural acontece geralmente por duas principais vias: a fusão de zigotos de gêmeos fraternos até o quarto dia de gestação, resultando em um indivíduo com duas linhagens celulares distintas; e o microquimerismo, ocorrendo durante a gravidez com a troca de células entre mãe e bebê. Já o quimerismo artificial  pode ser induzido através de intervenções médicas, como transplante de órgãos.

O que é mosaicismo?

O mosaicismo pode ser definido como a presença de duas ou mais populações de células com DNAs distintos em um mesmo organismo, que se originou de um único zigoto.

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